O tema da peça O Doido e a Morte, de Raul Brandão, inicialmente pareceu-nos fácil de ser descrito: um doido entra no gabinete do governador com uma bomba. O modo como as personagens lidam com esta situação revela uma sátira cheia de espírito e dotada de um estilo bem-humorado de ver a vida através da morte.
O Governador Civil, Baltazar Moscoso, dramaturgo frustrado, tenta escrever mais uma das suas peças medíocres. Nunes avisa-o que o Senhor Milhões o vem visitar com uma carta de recomendação do ministro. Ao ser recebido, o Senhor Milhões liga a campainha eléctrica da secretária a uma caixa que transporta consigo, comunicando que acaba de ativar uma bomba, que rebentará daí a vinte minutos. Perante o desespero do Governador Civil que se vê abandonado por todos, inclusive pela sua mulher, D. Ana, o Senhor Milhões faz a crítica demolidora das convenções sociais e a defesa de um sentido último para a "Vida"; o próprio Governador Civil admite a sua própria vida ter sido uma mentira. Na iminência da explosão, chegam dois enfermeiros que vêm buscar o Senhor Milhões, o doido. Afinal, a bomba era apenas algodão em rama e não o temido peróxido de azoto, o que leva o Governador Civil a soltar um palavrão entre a raiva e o alívio.
Há apenas quatro personagens: o Senhor Milhões, o Governador Civil, Baltazar Moscoso, a mulher deste, Ana de Baltazar Moscoso, Nunes, uma espécie de polícia-secretário-criado que introduz as personagens e dois figurantes, os enfermeiros que entram na última cena.
Quanto às complexas personagens, não há nenhuma relação social entre as do Governador e o doido, Sr. Milhões, mas eles são figuras conectadas, chegam a declarar-se semelhantes, facto que é importante para entender a conexão entre eles. Essa ligação está na similaridade entre seres opostos. A ligação existe, pois essas personagens sugerem apenas intensidades diferentes de uma mesma coisa: são personalidades que fogem da representação e do comum: um quer ser um génio e o outro quer ser um doido. O papel de ambos parece constantemente inverter-se, isto é, o doido racionaliza a sua descoberta filosófica e o génio desespera e endoidece de medo.
O espaço da peça resume-se ao gabinete do Governador, as personagens estão presas lá dentro, circunscritas a essa realidade. Porém, este gabinete guarda toda a sua vida; é nele que Baltazar Moscoso passa o seu dia a ler e a escrever as suas peças de teatro.
A bomba, guardada numa caixa, mantém-se intacta, mas acentua uma tensão entre as personagens. A relação entre eles, forçada pela presença da bomba, gera basicamente dois movimentos. Primeiramente, um movimento centrípeto, no qual a sua vida e o conforto do seu gabinete parecem desmoronar e ruir. Assim se descobre a futilidade e os desperdícios vividos – um peso que esmaga as personagens. O outro movimento, centrífugo, surge de dentro deles e impele para a fuga. Qualquer saída é válida. O Governador, por fim, trai todos os seus princípios morais para sair dali, chega até a entregar-se ao seu único confessor possível, o Doido, como sendo um grande mentiroso, enquanto o intolerante Sr. Milhões só vê um objectivo: explodir-se e desintegrar-se para que a sua poeira seja dissipada pelo cosmos.
Concluindo, esta peça é, sem sombra de dúvida, uma obra-prima do nosso teatro e do teatro de qualquer literatura pela agudeza da problemática existencial, pela conceção e pelo clima tenso do lirismo.
Escrito por: Sofia P. Faustino e Catarina Silva
Qual foi a cena/passagem que consideraram mais importante e pq?
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