segunda-feira, 30 de abril de 2018

Metamorfoses de Calisto Elói em "A Queda dum Anjo"

Ao longo da obra A Queda dum Anjo, de Camilo Castelo Branco, são-nos apresentados inúmeros aspetos exteriores da mudança de Calisto Elói, reações relativas a essa mesma mudança sendo também evidente uma autoanálise, pela expressão de sentimentos, do morgado de Agra face à transformação do seu modo de viver e sentir.

Desde logo, é visível uma transfiguração das roupas do morgado, em concreto no vestuário que passou a apresentar, isto é, calças à moda da sua época (“[…] calças xadrez cinzento […]”, l. 136) e “botões de coralinas falsas” (l. 137). Note-se que chegou a «colher informações» dos alfaiates mais famosos, a fim de mudar. Posteriormente, as damas e as pessoas que com ele privavam começaram a examinar com espanto as transfigurações das vestes, dos modos e da linguagem do morgado (“A Câmara afogou o riso […]”, l. 155) e a sua indumentária.

No que toca à sua alma, esta vai-se adaptando à proporção da sua “fatiota”, demonstrando alterações na personalidade, subjugando o seu modo «meio grosso», outrora incompatível com a atitude de um galã. Também na assembleia, Calisto fez sensação com, por exemplo, o charuto que fumava, deixando fumaças no ar, ainda que com gestos que poderiam provocar «algum riso». Manifestamente, estas maneiras contrastavam com a personalidade e os ideais do protagonista, inconciliáveis com o modelo do português citadino dos novos tempos.

No que concerne à autoanálise e sentimentos do morgado de Agra face à transformação do seu modo de viver e sentir, Calisto Elói sente-se, de certo modo, castigado pela própria consciência. O deputado defende-se, interiormente, das suas mudanças exteriores, alegando que estas não influem nas suas faculdades pensantes, uma vez que a prudência lhe exigia viver em Lisboa consoante os usos da cidade, deixando de parte os hábitos e génios aldeãos.

Em suma, neste capitulo (XIV - “Tentação! Amor! Poesia!”) o personagem principal sofre uma grande alteração no seu carácter, fruto da descoberta de um novo amor, acabando por afetá-lo também no seu aspeto exterior, enquadrando-se, absolutamente, nos costumes de Lisboa, que iam atuando sobre o ânimo do deputado.

 
Autores: Domingos Lopes Gallego e Sofia P. Faustino.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Linhas temáticas e estilo de Camilo Pessanha

Após a leitura de Camilo Pessanha, é possível distinguirmos as linhas temáticas e estilo predominantes.

Segundo Jacinto do Prado Coelho, “Ninguém melhor que Pessanha transmitiu associações subtis de sentimentos e sensações”. Camilo recorre frequentemente a imagens e símbolos subtis e fugidios para exprimir as suas ideias, por este motivo a sua poesia revela-se uma das mais difíceis de se decifrar. É visível, ao longo de toda a sua obra, um respeito pela estética simbolista em que as descrições apresentam contornos indefinidos, tal como no impressionismo.
 
É recorrente o uso de vocábulos que funcionam como símbolos reveladores de sentimentos ou realidades: as rosas representam o amor, os castelos e os sonhos. O desfolhar das rosas surge como representação da fragilidade do amor, enquanto “acrópole de gelos” figura como alegoria da morte.

No poema “Floriram por engano as rosas bravas”, faz-se uma alusão à passagem do tempo concretizada na sugestão do amadurecimento do sujeito poético e da sua amada, através da imagem “cai neve nupcial” - isto sugere os seus cabelos brancos e a referência ao próprio inverno como representação da velhice. É também aparente a expressão da união e desencontro concretizada na antítese dos versos 6 e 7 (“Onde vamos, alheio o pensamento, / de mãos dadas? Teus olhos, que um momento/ perscrutaram nos meus, como vão tristes!”)

 Concluindo, em grande parte das composições de Camilo Pessanha tudo é sugerido e nada é dito explicitamente.


Floriram por engano as rosas bravas

Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
 
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

 
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
 
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze - quanta flor! - do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra' 

 Autores: Domingos Lopes Gallego, Catarina Silva, Sofia P. Faustino e Sara Nunes.