“Como estando nós surtos na ponta de Tilaumera, vieram por acaso ter connosco quatro lanteas de remos em que vinha uma noiva”
Neste capítulo, é possível identificar vários traços linguísticos e específicos, tanto de Fernão Mendes Pinto como deste tipo textual descritivo.
Esta obra contesta a atuação dos portugueses que, durante muito tempo, foi considerada uma obra "mentirosa", pouco digna de atenção e pouco credível. Pela forma como contesta e mostra o revés da expansão marítima portuguesa, os estudiosos costumam acompanhar o seu estudo com o episódio do Velho do Restelo, d'Os Lusíadas de Camões, sendo que a visão do povo português presente na Peregrinação contrasta com a presente n’Os Lusíadas. Como exemplo das anti-façanhas do herói colectivo, os navegantes portugueses, leia-se, por exemplo, o episódio da noiva, no capítulo 47.
No fundo, trata-se de um conjunto de memórias autobiográficas. Na obra “Peregrinação” o autor narra a sua vida de aventuras e desventuras e as suas viagens pelo Oriente, ao longo de 21 anos, em relatos de enorme riqueza, com descrições muito pormenorizadas dos povos, das línguas e das terras por onde passou. Estas descrições revelam uma enorme admiração e fascínio pela grandiosidade dessas civilizações, chegando mesmo a pôr na boca de personagens orientais críticas à cobiça e ambição dos mercadores e militares ocidentais. Por outro lado, no Ocidente, à época, ninguém acreditava que o Oriente fosse assim tão rico no que toca a tradições culturais. Por estes factos, o autor é acusado de exagero, tendo ficado célebre o dito popular «Fernão, Mentes? Minto!». Mas hoje é consensual o valor histórico e literário da sua obra, feita de elementos verídicos e de ficção.
Torna-se, porém, bastante difícil distinguir nesta obra o que é produto da imaginação de aquilo que é pura história. Mendes Pinto consegue dar às narrações uma roupagem tão concreta e tão cheia de vida que tudo nos parece natural e autêntico. Durante muito tempo, pensou-se que a maioria das peripécias narradas no livro não passariam de mentira. No entanto, com a descoberta do mundo oriental, sobretudo nos nossos dias, chegou-se a uma opinião contrária. Hoje, podemos verificar a exatidão de muitas das afirmações feitas pelo escritor acerca da China e do Japão, nas quais ninguém acreditava.