terça-feira, 19 de junho de 2018

Alguns subsídios para uma leitura da poesia de Mário de Sá-Carneiro

A poesia de Mário de Sá-Carneiro caracteriza-se pela frustração do poeta, sendo este tópico constatável na paixão pelo abismo e pela morte, conduzindo-o a uma crise de personalidade. Deste modo, a sua escrita assume-se como reflexo da “fuga por inadaptação”.

No que toca aos traços da autobiografia emocional do poeta da geração de 1900, é visível a nostalgia que sente em relação à infância, como consta no seu poema O Recreio (“ […] Mais vale morrer de bibe/ Que de casaca […]”, vv. 14 e 15). Note-se, também, o seu egotismo exacerbado, perceptível pela centralização do discurso no “eu”, observável na composição poética O Lord (“ Lord que eu fui de Escócias doutra vida […]/ Milord reduzido a viver de imagens, […] / Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido- […] ”, vv. 1-17). 

No que concerne à “fuga por inadaptação” do autor, esta é manifestada pela inconformidade com a vida sentimental, pois a sociedade não lhe inspirava confiança. O vate, evidencia incapacidade para fruir, enveredando por um caminho de autopiedade e ternura. Ilustro estes argumentos com os seguintes versos que se encontram no poema Caranguejola: “[…] Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada, […]/ Não fui feito para festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!... […]” (vv. 3-12).

Surge também vincadamente na sua vasta obra poética a temática da incompatibilidade entre a “sensibilidade” do poeta e o mundo. Na sua escrita, está patente o sintoma de dispersão e de inclinação para o labirinto, comprovado, por exemplo, pelo poema Dispersão, de onde retiramos os seguintes excertos: “Perdi-me dentro de mim / Porque eu era labirinto, […]/ Que me faltou afinal?/ Um elo? Um rastro?... Aí de mim!...” (vv. 1-76)

Em suma, a poesia de Mário de Sá-Carneiro é plena de expectativa e de sensibilidade, tratando-se, portanto, de uma obra autobiográfica inquieta e inquietante.   






Autores: Sofia P. Faustino e António José Borges.

4 comentários:

  1. Muito orgulho nestes trabalhos que serão universalmente e intemporalmente úteis.

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  2. As saudades alimentam o projeto que foi de um instante de vida eterno... Orgulho em vocês, meus queridos alunos!

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